segunda-feira, 29 de junho de 2015

Seleção natural do Brasil

O Brasil sempre dependeu de talentos individuais no futebol. Reinou enquanto isso era privilégio seu. Nunca teve planejamento, como não tem em área nenhuma. Um dia a casa cai e, sem planejamento pra construir outra, não dá pra ficar esperando ela se reconstruir sozinha. 

Há que se ter paciência e humildade. Há que se saber conviver com a sensação de sermos medianos no futebol como somos em todas as outras coisas. É tempo de mudanças sérias no país e muito mais importantes que o futebol. Essa decadência no futebol é providencial. Chega de ilusões. 

Continuarei torcendo para a seleção como outras nações fazem: porque nos representam com o que temos de melhor e de pior. É fácil torcer quando somos superiores, agora é diferente. Temos q torcer porque queremos vencer e fazer por onde, não por termos obrigação de vencer. A obrigação é de fazer o certo. A vitória é uma consequência do trabalho e não do talento ou do jeitinho. Fica a lição.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Minha mãe

É complicado iniciar um blog para falar de angústias e, no primeiro post, indicar o título: Minha mãe. As mães costumam permear todas as nossas alegrias e tristezas. Se não por serem nossas heroínas, mas por estarem no desejo de todo conforto nos momentos difíceis. E assim, magicamente, elas estão conosco onde quer que estejamos.

No momento, a minha mãe está em casa, provavelmente dormindo e repetindo há quase um ano a rotina de quem vive o estado terminal de câncer.

Ela descobriu um câncer de mama em março de 2005, aos 63 anos. Fez quimioterapia pesada até realizar a mastectomia total em julho de 2005. Por quase 8 anos, fez tudo o que deveria ter feito para se curar. Após 5 anos da cirurgia comemorou a "cura". Nada de recidivas até então. Nada disso foi em vão. Ela viveu com muita alegria, muita força, se libertou de muita autocrítica e fez tudo o que estava a seu alcance para ser feliz: de piadas antes censuradas a altas gargalhadas em locais públicos, passando pelo prazer que só ela compreendia de afagar os estranhos e humildes que tanto lhe encantavam, como se precisassem daqueles afagos como seus filhos quando pequenos.

Sim, hoje, 07/04/2015, minha mãe vive. O câncer, desde o início de 2013 foi redescoberto em estágio IV, metastático. Estava ele silencioso já há algum tempo em seu cérebro, ossos e pulmão. Espalhado em pequenos pontos e comprometendo "apenas" sua memória recente, o processo de novo estadiamento do câncer foi doloroso para todos nós. Falo por mim, pelo que passei com ela no hospital em cada resultado de exame confirmando a invasão das lesões em tantas partes do corpo.

Até o momento em que teve lucidez para se comunicar, ela nunca acreditou no retorno da doença. Submeteu-se a uma radiocirurgia no crânio (não invasiva), a uma radioterapia (no crânio) e ao uso do letrozol como manutenção do tratamento. Foi perdendo a lucidez, a capacidade de reconhecer perguntas e responder com coerência e hoje praticamente não interage conosco.

Aos 73 anos, não caminha, não se sustenta em pé, não segura um copo, não faz absolutamente nada sem ajuda de terceiros. Vive uma sonolência a maior parte do tempo. Na hora de comer, come alimentos pastosos levados à boca. Come tudo. Ingere medicamentos intragáveis junto com a comida. Ao menor carinho em sua face, cerra os olhos e só os abre novamente com ajuda de mãos carinhosas. À noite, mais atenta, responde a nossas brincadeiras com sorrisos e gargalhadas preciosas, como um sinal de que sua alegria ainda vive, mesmo que remotamente.

Um dia após o outro. Exames de sangue, quando colhidos e cada vez mais raros, normais. Cálcio normal, pressão normal, glicemia normal. Intestino normal, Incontinência urinária total. No Natal de 2014, ela falou meu nome pela última vez até então. Há uma semana, quando fui visitá-la na casa de minha irmã (a 450Km de onde trabalho e moro), recebi aquele olhar de sempre: terno, longínquo, com a iminência de uma frase pronta a perguntar qualquer coisa que eu nunca vou saber.

No início de sua "travessia" radical para esse estado de consciência, perdeu seu grande amor, meu pai. Todas as evidências levam a crer que ela não teve consciência de sua morte. Nunca perguntou por ele, embora, por hábito, tenha citado o nome dele algumas vezes, como se estivesse contando um caso.

Me fechei há alguns meses. Nenhum médico saberia dizer um prognóstico para sua partida. Penso que essa experiência para nós, seus 4 filhos, suas irmãs e amigos queridos seja algo similar a um deserto. Nós sabemos que há um fim, como para todos nós, porém nunca saberemos quando e a vida segue para o mundo e para quem se permite.

Às vezes me permito chorar. Penso em minha mãe a todo momento. Me assusto por não chorar. Tenho medo de despejar a tormenta de lágrimas que carrego comigo e me fecho.

Minha mãe me dá força por sua linda história de vida, de amor, de superação. Vida que segue.